sexta-feira, outubro 07, 2005

Espelhos

O homem ficou ali parado, suspenso, com os olhos marejados como quem quer chorar mas já não tem mais lágrimas, vendo o pai afastar-se indiferente como, deduzo, fizera a vida inteira. Assistindo à cena, me ocorre que aquele homem ali, sozinho, apesar dos seus mais de trinta anos não passa de um garotinho inocente esperando o pai voltar de uma longa viagem para poder abraçá-lo. Mas ele não vai voltar. Nem tampouco vão todos os outros que ele ousou chamar de pai, numa doce tentativa amarga de preencher aquele espaço vazio que o define, de reclamar para si o que era seu de direito, mas a vida por algum motivo lhe negara o que o fazia querer ainda mais.

Ali, parado, a dor maior é saber que ele pode conquistar o mundo, pode se tornar o melhor marido do mundo para alguma mulher, o pai que quisera ter tido, o amigo que só se encontra em histórias, mas toda vez que ouvir o nome, toda vez que, por menor que seja, uma circunstância lhe trouxer a lembrança de um daqueles momentos, ele sabe que seu coração vai se desmanchar no peito, batendo forte, dolorido, sem jeito. Ele sabe que vai se perguntar porque e por mais que encontre explicações, por mais que consiga tudo o que puder, por mais que seja, ainda assim se sentirá furtado, ainda assim se sentirá incompleto.

Olhei novamente e o homem ainda estava lá, com uma das mãos carinhosamente apoiada no vidro da janela numa última tentativa de alcançar, numa última tentativa de tocar. E assim permaneceu, até que o avião desaparecesse como se nunca tivesse estado lá. Só então ele virou-se para ir. E antes de dar o primeiro passo, ele suspirou profundamente. Seus olhos brilhavam quando abriu um alegre sorriso triste como que dizendo que mal podia esperar pela próxima vez. E se foi, como se nada tivesse acontecido.

8 comentários:

  1. Anônimo2:24 PM

    Olá José...

    É tão difícil falar agora... tá escuro.

    Bom final de semna. Iluminado.

    Bjos

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  2. Anônimo3:16 PM

    se eu tivesse te contado essa cena (parece que vejo meu pai tb ir embora), vc n teria escrito com tanta perfeição. lindo texto, josé. meu beijo.

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  3. Oi!!! Estava sentindo falata dos seus textos tristes...Pais são tão importantes, né??

    Esta tua cena está muito boa!!!

    Bjs menino!

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  4. José, pq vc é sempre tão melancolico? pq vc escreve textos tão lindos e... tão tristes???
    E o pior é que eu amo!!! rsrsrs
    Bjs,

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  5. Frau Lutz (Sra. Lutz, em alemão)será meu nome muito em breve (se Deus quiser)! rsrsrs
    Eu estou tratando de fazer ato profético, confessar a benção, e essas coisas todas que vc já sabe. rsrsrs
    Bom fds!!!

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  6. Essa coisa de olhar as pessoas e tentar adivinhar seus sentimentos, fingindo, fingindo com tanta força que quase se acredita, que o que se faz não é, de forma alguma, simplesmente projetar-se nelas.
    Essa coisa de chegar e passar o estalo daquele momento prá palavras, de matutar uma frase no caminho de casa e ver ela se abrir em mil outras frases e uns parágrafos e se dedicar a lapidar tudo aquilo ali até que fique bom.
    Eu admiro isso rapaz. Muito mesmo.

    Parabéns pelo texto.

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  7. cara, intenso, triste, mas verdadeiro, uma verdade q dói em muitos, pra não dizer em todos...

    belo texto!

    Gosto quando você escreve coisas assim, vc tem uma veia poética pra tratar o cotidiano em crônicas e narrativas; como eu disse, investe mais nisso... abração!

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  8. cara, intenso, triste, mas verdadeiro, uma verdade q dói em muitos, pra não dizer em todos...

    belo texto!

    Gosto quando você escreve coisas assim, vc tem uma veia poética pra tratar o cotidiano em crônicas e narrativas; como eu disse, investe mais nisso... abração!

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